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A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE CORRE!

Vesti meu terno de domingo singular;
Botei perfume de alfazema pra agradar;
Corei meu rosto de cobiça de encontrá-la;
Saí de casa com meu passo de esperança;
Cheguei bem cedo na pracinha sem tardança;
Sentei num banco do jardim para esperá-la;
"Tem que ser hoje! Vou dar fim ao meu anseio!"
Colhi três ramos de determinada flor;
Lembrei palavras pra dizer com muito amor;
Provi meu peito do frescor daquele instante;
Cantei poemas e canções por distração;
Contei estrelas no horizonte em oração;
Sorri pra lua, com prazer no meu semblante.
"É só esperar pra ser feliz! Verá! Verá!"
Traguei fumaça de cigarro como um louco;
Senti pontadas de suspeita pouco a pouco;
Cruzei as mãos, adivinhando a má verdade;
Baixei meus olhos carregados de certeza;
Desfiz meu peito com soluços de tristeza;
Deixei cair três ramos murchos de saudade.
"Ela não veio! Santo Deus. . . ela não veio!"
Sequei meu rosto amolecido pelo pejo;
Ergui meu vulto fatigado de desejo;
Rumei meus passos no retorno à solidão;
Despi meu corpo umedecido da garoa;
Deitei meus sonhos num colchão largado à toa;
Dormi com a dor do desengano, da ilusão.
"Ela virá! Sei que amanhã ela virá!. . ."


ENTRE PEDRAS E ROSAS

Por que razão felicidade é tão difícil?

Por que viver se torna às vezes sacrifício

Para dois seres que se adoram, como nós?
Que culpa temos de gostar-nos tanto assim?
E vamos gritar, rogar, lutar até o fim,
Vencer a angústia que sufoca a nossa voz!
Que importa o tempo de distância em nossas vidas?
Que importa a sombra de um passado de feridas,
Se nossas almas são ligadas na paixão?!
Que importa o espaço que separa nossos sonhos?
Que importa o curso de caminhos tão tristonhos?
Nem tempo e espaço, um grande amor reduzirão!
Você se oculta sob o medo do passado!
Você confunde o nosso estado com o pecado!. . .
Não se atormente com a censura que nos pune!

Não se impressione com o desprezo dos mais frios,

Dos que do sentimento puro estão vazios!

Importa mais é a chama ardente que nos une!

Que importa a prova que contenta a sociedade?

Que importa o culto onde se esconde a falsidade

De dar-se o sim, sem ter certeza de o lucrar?

Que importa o brilho da aliança sem direito?

Que importa a marca dos tabus, do preconceito?

Importa mais é que possamos sempre amar!

Vamos unir os corações num só desejo!

Vamos calar nossa paixão num longo beijo,

Fazer do mundo um colossal jardim em flor!

Vamos viver a nossa vida sem receios!

Sejamos dois amantes de alma e corpo cheios

De muita luz!. . . De muita paz!. . . De muito
amor!...

PENÚLTIMA ORAÇÃO

Salve, minha Rainha, onde quer que estejas!...
Minha Rainha antiga, de um reinado antigo,
De um sonho deslumbrante que eu vivi contigo!
Quando naquela véspera, sob as cerejas,
Qual anjo enfurecido tu alçaste voo,
Desmoronaste o templo. . . mas eu te perdoo!
Perdoo pois pressinto que ainda voltarás,
Pois nosso amor foi grande, foi belo, foi puro,
Foi algo que não morre, não se esvai no escuro.
Não sei por onde andas, nem sei como estás,
Mas sei que sentirás toda a palpitação
Que sai deste lamento em forma de oração:
Não quero ser o elétrico azul celeste
A coroar planícies de um futuro bem.
Bastava ser um ponto, pra não ser ninguém!
Não quero ser a noite, que as angústias veste,
Ou mesmo a madrugada que lhes dá guarida.
Bastava ser um instante dentro em tua vida!
Não quero ser o banzo, ou mesmo a nostalgia,
Martirizando a fonte da felicidade.
Bastava ser um leve sopro de saudade!
Não quero a pretensão de ser pura alegria
Exposta em gargalhadas, mas de ser, no entanto,
Sorriso refletido no teu rosto em pranto!

SE EU MORRESSE AMANHÃ.

Quantas vezes alguém perece em vida
Sofrendo a angústia de um amor desfeito!
E muito embora a dor lhe aperte o peito,
Consola-se na lágrima vertida.
E cerra os olhos (lembrança sentida).
Rememora o passado, satisfeito
De carregar um coração estreito,
Porém saudoso da paixão perdida.
Por isso é que eu me enlaço na paixão.
Por isso é que eu creio na salvação
Da alma, pelo amor que se perdeu.
Porque quem vive sem paixão. . . não vive!
Quem a domina. . . só metade vive!
Quem por ela morre. . . ao menos viveu!


CHORAR EM SILÊNCIO.


Chorar em silêncio. . .
Calar o peito, remoer saudades,
Fechar-se em copas num autismo insano,
Não mais fiar em felicidades
E consumir-se no cotidiano.
Chorar em silêncio. . .
Negar aos viciados olhos do universo
A satisfação de ver um movimento
De desprezo à dor e ao sofrimento.
Manter à sombra um coração disperso
E marchar rumo ao futuro a passo lento.
Chorar em silêncio. . .
Ao apagar das luzes, ao cair o pano,
Rir dos aplausos da plateia cega
Que põe na falsidade das cenas
A realidade que ela mesma renega!
Chorar em silêncio. . .
Olhar à volta e assistir atónito
Ao remoinho de mensagens bélicas
Surgindo das mais sutis essências,
Descendo à Terra em formas angélicas
Violando o fundamento das ciências.

AMOR VERSUS AMOR


Olhei teu rosto e então eu vi!
E te confesso — estremeci;
Me perturbei, me comovi.
O que de há muito eu carecia
Ali floria, tão patente,
Tão nítido, tão eloquente
Que eu temia ficar demente
Se não fosse vero o que eu via!
Se fossem palavras apenas,
Alguns gestos, algumas cenas
A traduzir ideias plenas,
Tranquilo eu podia ficar.

Pois palavras no ar se apagam;
Gestos. . . se diluem, se vagam;
E cenas. . . somente propagam
O que é simples, preliminar.
Mas o mais puro, o mais profundo,
O amor que aspira neste mundo,
Ali no teu rosto rotundo
Se espelhava, em todo esplendor.
Teus olhos, nos meus cravejados,
Lançavam apelos velados;
Rogavam que fossem amados
Com igual parcela de amor!